quinta-feira, 26 de outubro de 2017

“A GENTE NÃO FIXA A META. QUANDO A GENTE ALCANÇAR A META, A GENTE DOBRA A META”


As orientações anuais para aplicação dos recursos do FNE (Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, hoje depositário de, mais ou menos, R$ 25 bilhões) são propostas pelo Banco do Nordeste (BNB) e discutidas, alteradas e, finalmente, aprovadas pelo Conselho Deliberativo da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), aquele mesmo que, até recentemente, tinha passado três anos sem se reunir.
Para o corrente ano, esses princípios, assim como o detalhamento das condições de juros e prazos dos empréstimos, constam do documento editado pelo BNB “FNE – Programação Regional, 2017”, disponível na internet. Chama a atenção, entre outras coisas — mas, sem causar surpresa — o caráter "politicamente correto" (arrrgh!) das “Diretrizes e Prioridades” do FNE, tanto as “espaciais” quanto as “setoriais”.
Espaciais & Especialíssimas
As “diretrizes espaciais” recomendam dar um “tratamento diferenciado e favorecido aos projetos que se localizem nos espaços reconhecidos como prioritários pelo Plano Nacional de Desenvolvimento Regional”, na suposição (altamente duvidosa) de que tal plano exista em algum outro lugar que não seja a propaganda do governo. Ou a programação do FNE.
Além disso, também são merecedores de “apoio preferencial”: (1) “no meio rural, os agricultores familiares, os mini e pequenos produtores rurais e os empreendimentos localizados em municípios com registro recente de secas”; (2) no meio urbano, “as micro e pequenas empresas, inclusive, empreendedores individuais”.
Em suma, em total acordo com o ambiente ideológico em que vivemos e afundamos, o Estado assume o papel de distribuidor de bondades para os coitadinhos. Não que isso, realmente, vá acontecer em escala relativa apreciável: os valores que grandes empresas recebem de superfaturamentos, empréstimos subsidiados, isenções fiscais e aportes amigos de capital somam uns quatro FNEs por ano. Mas, é importante repetir as palavras de ordem, na esperança de que alguém acredite nelas.
Se o bom senso prevalecesse, todos perceberiam que a melhor receita para fazer crescer a renda regional (ou a renda dos pobres) NÃO É emprestar o dinheiro errado, no lugar errado, à pessoa errada. Se o negócio, por menor que seja, for economicamente inviável, o crédito fornecido não retornará e nenhuma adição líquida ao produto social resultará do empréstimo.
Eventualmente, uma providencial Medida Provisória perdoará as dívidas pregressas e tudo começará de novo. O que era crédito virou transferência. A intenção pode ser essa mesma. Mas, então, quem precisa de um Conselho Deliberativo, de uma Sudene, de um banco? Basta armar uma tenda no meio da rua e distribuir o dinheiro. Garanto que não faltarão candidatos.
Não está nas capacidades do BNB (nem, muito menos, nas da inexistente Sudene) contestar seriamente essas premissas. Elas são fundamentais à prática política que aquieta os coitadinhos. Sem tais confortos (e já que nenhuma outra coisa melhor lhes é oferecida), eles poderiam deixar de votar nos seus protetores. Como não sou candidato a nada, lanço o protesto. Faz escuro, mas, eu canto, diria o poeta Thiago de Melo.
Setores do bem
As “prioridades setoriais” da aplicação do FNE também merecem registro. Elas têm três componentes: (1) a “expansão, diversificação e modernização da base econômica regional”, (2) o “apoio aos setores exportadores regionais” e (3) a “instalação de uma base produtiva contemplando setores inovativos ou atividades portadoras de futuro”. (Cacoetezinho pedante, esse tal de "portadores de futuro". E o futuro precisa de portadores?)
Como se percebe lendo o documento, nas “diretrizes" correspondentes a essas "prioridades setoriais" cabem nove décimos das atividades econômicas conhecidas no mundo. Nenhuma delas, entretanto, ou quase nenhuma, é exercida, no Nordeste do Brasil, por pequenos empreendedores urbanos, nem por “ainda mais pequenos” agricultores. Alguém aí conhece um pequeno produtor rural analfabeto que fabrique automóveis, tratores e máquinas pesadas?
Fiquei confuso. Afinal, vamos nos guiar pela “diretriz espacial” e emprestar o dinheiro a “atividades produtivas de uso intensivo de matérias-primas e mão de obra locais” (o que credencia o plantio de mandioca para autoconsumo a ser uma aplicação prioritária), ou iremos seguir a “diretriz setorial” e financiar a "indústria química" (excluindo os explosivos, para evitar a produção de homens-bomba), a "cadeia petroquímica, inclusive extração, refino e transformação de petróleo e seus derivados”?
Quantas horas de trabalho, de quantos técnicos, foram necessárias para escrever essas diretrizes tão ricas em lugares comuns e em complexidades raras? Quantos burocratas de nove estados nordestinos (ou seja, dez, com Minas; ou melhor, onze, com o Espírito Santo) vieram ao Recife para incluir seus setores favoritos nas “prioridades setoriais” do FNE? Quantas autoridades gastaram diárias e passagens para aprovar, na reunião do Conselho que não se reúne, a “Programação Regional” dos 25 bilhões?

Precisávamos, mesmo, de tantas andanças? Não seria mais simples baixar apenas uma “diretriz espacial-setorial-ecumênica-e-definitiva" dizendo que serão concedidos empréstimos aos projetos que demonstrem a maior capacidade de pagá-los? Ou, então, relembrando a nossa inesquecível “presidenta”, dizer assim: “a gente não fixa a meta. Quando a gente alcançar a meta, a gente dobra a meta”?

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