sábado, 24 de agosto de 2013

Anatomia de uma burrice

Após conhecer e analisar a evolução entre 1998 e 2012 da frota de veículos no Brasil, estados e regiões, fiquei impressionado. Todos nós sentimos que o número de carros nas ruas cresceu enormemente e que a quantidade de motocicletas aumentou ainda mais. Mas poucos sabemos quanto estes “enormemente” e “ainda mais” significaram, em uma escala numérica.
O gráfico abaixo mostra as primeiras informações relevantes. Mais adiante, forneço outras.

Ou seja: entre 1998 e 2012, a frota de automóveis no Brasil cresceu à taxa média anual de 8% (no Nordeste, 9%); a de motocicletas, 13% (20%, no Nordeste); e a de ônibus, 7% (9%, no Nordeste). O número de caminhões também cresceu muito, embora menos do que os dos demais veículos citados.
Mas, deixemos os caminhões de lado. Isso daria outra história, igualmente, interessante. 
E AS CIDADES?
Automóveis, ônibus e motocicletas são veículos, predominantemente, destinados ao uso urbano. Portanto, esse brutal aumento de sua frota se foi concentrando nas cidades. Se a malha viária dessas tivesse, também, crescido oito, treze ou sete por cento ao ano, os carros iriam se distribuindo naturalmente por esse espaço maior e, em se tratando de congestionamentos, tudo teria ficado na mesma.
Contudo, as coisas não se passaram assim. Embora não tenhamos dados facilmente disponíveis sobre o número de quilômetros de ruas, podemos usar o tamanho e o ritmo de crescimento da população urbana para obter, aproximadamente, a mesma informação. E a população urbana no Brasil cresceu, entre 1998 e 2012, a uma velocidade não muito maior do que 1,5% ao ano. Em outras palavras: enquanto o número de automóveis, motos e ônibus aumentava seus 10% a cada ano, o espaço para abrigá-los crescia somente 1,5%. 
Ponha isso em quatorze anos e dá para intuir o estrago que ia sendo feito.
Para tornar as coisas mais claras, inventei um "Índice de Congestionamento Urbano". Defini-o como a quantidade de ônibus + a quantidade de carros dividida por três + a quantidade de motos dividida por doze, tudo isso dividido pela população urbana da área (país, região, estado) no mesmo ano. 
A ideia, naturalmente, foi estimar o espaço ocupado pela frota de veículos, em relação ao espaço total existente para a sua circulação. Daí que eu tenha dividido o número de automóveis por três e o de motocicletas por doze, na hipótese de que três automóveis, ou doze motos, ocupam o espaço nas ruas de um ônibus.
Uma das maneiras de apresentar os resultados que encontrei está no gráfico abaixo:

Explico: em 14 anos, o Índice de Congestionamento Urbano foi multiplicado por 2,74, no Nordeste; 2,27, em Pernambuco; e 2,07, no Brasil. Como a situação inicial já não era boa (ou seja, em 1998, as cidades já estavam congestionadas), dá para perceber como o caos urbano atual foi sendo construído, ano após ano, sem que os sucessivos governos federais, estaduais e municipais fizessem, absolutamente, nada para amenizar o desastre.
Bem ao contrário: no caso do governo federal, sobretudo, nos últimos anos, poderosos estímulos fiscais e creditícios foram mobilizados para aumentar a produção e a compra de automóveis e motos, ao mesmo tempo em que nada sequer remotamente comparável era feito para permitir que as cidades abrigassem essa avalanche de novos veículos.
Aviso ao leitor que não sou contra o automóvel, nem a motocicleta. Sou contra a burrice.

Mas, será que foi, mesmo, somente, "burrice"?
Gustavo Maia Gomes 
(24/8/2013)

sábado, 17 de agosto de 2013

Gabeira lembra Jean Paul Sarte

Escreve Fernando Gabeira (“Onde está tudo aquilo agora?”, p. 30): “O existencialismo francês do pós-guerra [leia-se, principalmente, Jean-Paul Sartre (1905-80)] exercia fascínio não só pelas suas idéias mas também pela atmosfera boêmia que o envolvia”.
Vivi um pouco da moda sartreana, mas nunca me envolvi muito nela. Como boêmio, fui uma nulidade; como leitor, seus livros não me entusiasmavam. Apesar disso, a influência de Sartre entre alguns de meus amigos foi grande, em meados da década de 1960.
Na época, os autores que eu lia compulsivamente eram Bertrand Russell (1872-1970), Franz Kafka (1883-1924) e Erich Fromm (1900-80). Dos três, o último – um psicanalista e sociólogo que tentava combinar criticamente o pensamento de Freud e o de Marx – é o menos conhecido hoje. Nos anos 1960 e 1970, entretanto, seus livros vendiam como água no Sertão.
Em retrospecto, acho que Sartre foi, em larga medida, uma fraude. É o que, aparentemente, também pensa Fernando Gabeira (p. 31), quando se refere ao filósofo francês como “um dos mais eloquentes teóricos da Resistência [à ocupação nazista] sem [jamais] ter se metido nela”.

Gustavo Maia Gomes

“Onde está tudo aquilo agora?”

Fernando Gabeira é uma celebridade. Mas ele é, sobretudo, um homem inteligente. Sei disso pelo seu jornalismo, atuação política e, também, por dois dedos de conversas que já tivemos, no Recife e em Brasília.

Acabo de ler o mais recente de seus livros: “Onde está tudo aquilo agora?”, que tem por subtítulo “Minha vida na política” (São Paulo, Companhia das Letras, 2012). Leitura fácil, instrutiva, supinamente interessante.
“Tudo aquilo”, embora Gabeira não o diga expressamente, são os grandes ideais de transformação do mundo que levaram tantos jovens, nos anos sessenta e setenta do século passado, a se voltarem para a política no seu sentido mais nobre – e radical, que não é aquele limitado ao âmbito de atuação dos partidos oficialmente constituídos.
“Onde está tudo aquilo agora?” passa em revista muitos dos acontecimentos da política brasileira vividos, com maior ou menor intensidade, pelas pessoas de minha geração. Recomendo fortemente sua leitura. Não apenas às pessoas de minha geração.
Gustavo Maia Gomes (17/8/2013)

domingo, 11 de agosto de 2013

Universitários no Sertão: a história verdadeira do cititur que nunca existiu

Gustavo Maia Gomes
Do Recife a Petrolina, seriam dez horas de viagem, em um ônibus pequeno. Embarcados, alguns professores e muitos alunos de Turismo e de Hotelaria. Fariam uma “visita técnica”, parte das atividades curriculares. 
Pelo caminho, os rapazes e moças conferiam o programa:
-– Bodódromo?
-– Sim.
-– Vinícolas?
-– Certamente.
-– Passeio de barco pelo lago de Sobradinho?
-– Positivo.
Tudo o que fora previsto, aconteceu. A visita a Petrolina foi um sucesso.
***
Ao fim de três dias, iniciam a viagem de volta, com parada programada em Triunfo. 
-– Teremos cititur?
-– Sim.
A atividade havia sido prearranjada por uma pessoa que desistira de viajar. Faltava, apenas, confirmar onde iriam encontrar o guia local. E a que horas.
Pelo celular, fala a professora responsável pela excursão:
-– Senhor Abdias?
-– Ele mesmo.
-– Somos o grupo que vai fazer o cititur. Está tudo certo?
-- Tudo certo.
-– Onde encontramos o senhor?
-- Ao meio dia, na entrada do Pólo.
-- Que pólo?
-– O Pólo Petroquímico.
-– Mas, não há pólo petroquímico em Triunfo. O senhor está em Triunfo?
-– Estou, sim.
-– Em Triunfo, Pernambuco?
-– Não, em Triunfo, Rio Grande do Sul.
-– Então, Sr. Abdias, temos de cancelar.
(Triunfo, Rio Grande do Sul, fica a 3.500 km de Triunfo, Pernambuco.)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A inflação de julho, ou uma fábula em três gráficos

Gustavo Maia Gomes


Muito contente, o ministro Mantega mostrou a figura à sua chefe:

– Saiu o IPCA de julho. A inflação vem caindo mês a mês. Não há risco de ela aumentar, está tudo sob controle.



No dia seguinte, Aloísio Mercadante levou outro desenho.

– O Guido lhe enganou. Veja aqui: a inflação sempre cai no primeiro semestre. Não há novidade nisso.



Tão logo Mercadante deixou o Gabinete, a Presidente chamou o Secretário Geral.

– Um ministro me apresenta um desenho com a inflação caindo. Outro mostra que isso sempre acontece no primeiro semestre. Devo mesmo ficar tranquila, Gilberto?

Para manter o espírito da fábula, o secretário já tinha preparado seu próprio gráfico.

– Nenhum dos dois lhe disse o que tem acontecido a partir de julho, Presidenta?




terça-feira, 6 de agosto de 2013

Gás de xisto, ou a revolução sem Marx

Gustavo Maia Gomes
A notícia (há poucos meses, impensável) de que os Estados Unidos podem vir a se tornar não apenas autossuficientes, mas até exportadores de energia prenuncia uma revolução econômica e política de dimensões extraordinárias.
Se as promessas se concretizassem, o que aconteceria?
Entre outras coisas:
O Oriente Médio perderia a importância que, graças ao petróleo, hoje tem. O prestígio internacional de Maomé nunca mais seria o mesmo e as ameaças à paz mundial teriam de vir de outros lugares.
Os bilionários "xeques árabes" se reduziriam à condição de meros passadores de "cheques em árabe" (provavelmente, sem fundo).
Para reduzir o prejuízo, Dubai venderia como ferro velho os pedaços que pudessem desmontar de suas cafoníssimas, mas faraônicas, construções.
Os homens-bomba com motivações político-religiosas continuariam a explodir a si mesmos, porém ninguém mais tomaria conhecimento disso.
No Brasil, os royalties do Pré-Sal seriam repartidos entre duas ligas de dominó, pois extrair petróleo do mar se tornaria completamente inviável.
Com energia barata e abundante, os Estados Unidos entrariam em uma era de rápido e prolongado crescimento econômico, fazendo a atmosfera do planeta (finalmente) virar fumaça.
Beneficiada pelos baixos preços do petróleo, a China cresceria 25% ao ano e invadiria a África, para assegurar os suprimentos alimentares e de matérias primas.
Em seguida, a potência oriental tentaria colonizar o Brasil, mas enfrentaria a resistência dos Estados Unidos cujo Presidente diria: "isto aqui não lhe pertence".